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sábado, 31 de outubro de 2015

Conversas

Há muitas maneiras de viver. A fingir, a olhar para o lado, a olhar para o umbigo, a olhar para os pés ou para as nuvens, com medo, com poder, humilhado, triste, depressivo, alegre, divertido, contando histórias, milhares são as maneiras de viver a vida. Acho que já passei por elas quase todas e de cada vez, é sempre uma novidade.
Se me perguntar como estou agora a viver a minha vida, diria: com medo, a não permitir-me viver, a não permitir-me ser feliz, a não permitir-me nada senão trabalho-casa-trabalho-casa ou antes casa-trabalho-trabalho-casa. Dei comigo a ter consciência desta realidade e assustei-me. E ter consciência é obra, dói que se farta. Olhei para trás no tempo e encontrei os olhos de minha mãe:
- Filha que andas a fazer?
- Nada, não vês que trabalho muito!
- Sei que sim, mas chegas a casa e não fazes nada!!!!
- Não me sinto com forças, não vês o meu cansaço?
- Vejo e sinto uma grande tristeza por te ver assim; esperava que fosses mais forte, mais enérgica, que esperas para acabar a blusa da tua filha que começaste há tanto tempo, quando ela foi para a Faculdade, não foi?
- Foi nessa altura, mas sabes que só faltam as mangas e pouco mais, e não tenho a agulha de cozer as lãs!
- Desculpas, não faças isso contigo. Compra a agulha e termina a blusa. Começa qualquer trabalho, não fiques a ver televisão, a fingir que lês o jornal ou a jogar no telemóvel, não gosto nada de te ver assim!!!! Sabes que não te faz bem à cabeça, não faz bem à alma, não faz bem a nada.
- Sei disso minha mãe, mas tu fazes-me falta, tanta falta, não tenho ninguém com quem conversar, Joana. Se ao menos pudéssemos falar de vez em quando, minha mãe as saudades que tenho tuas! Nunca me tinhas dito que um dia ia ser a tua vez de partir, não estava nos nossos planos esta separação, esta loucura de saudades que me impedem de ver com a clareza que tu sempre me ensinaste e que sempre tentei seguir e ensinar às filhas. Sinto-me órfã sabendo no meu coração que o não sou, estou sem rumo!
- Olha para mim, vê bem no fundo dos meus olhos se em algum momento da nossa vida te deixei sozinha?
- Nunca fiquei sozinha, minha mãe, mas preciso do teu colo, das massagens que me fazias na cabeça, nos pés, preciso das massagens dos teus olhos nos meus olhos!
- Tens isso tudo. Massagens faço com as mãos do teu PQ, ele faz-te diariamente e eu guio-lhe as mãos, colo diariamente tens de tanta gente, dos amigos, das filhas, dos genros, da tua neta, minha querida bisneta e eu guio-lhe os gestos e diariamente os meus olhos acariciam os teus, bem dentro da tua alma e tu bem sabes! Tens tudo isso e ainda tens um pouco mais, as filhas e as netas e os homens que amam as tuas filhas, a tua casa está cada vez mais cheia, e eu estou no meio de todos vocês zelando para que nada vos falte, guiando, amando, rindo e chorando, vivendo em cada um e em todos.
- Sei que sim, mas queria-te só para mim, com fazíamos em Cabeção, quando me levantava cedo, vinha para o teu lado, na lareira, me fazias torradas e uma caneca com leite quente e conversávamos até que os outros todos começassem a chegar, queria-te só para mim...
- E continuas a ter, porque continuamos a conversar as duas como agora, mais ninguém está aqui, que mais podemos querer?
- Minha mãe queria ver-te, tocar-te, cheirar-te, dar-te beijos e sentir o teu abraço, sentir os teus braços nos meus braços!
- As palavras são terapêuticas como tu costumas dizer, que eu bem oiço, então tens isso tudo com a nossa conversa. Olha para mim!
- Estou Olhando!
- Que vês?
- Amor!
- Só isso precisas para continuares, que vais fazer?
- Acabar a blusa, escrever a carta de Natal e se for capaz fazer umas prendinhas para o Natal!
- Beijos filha, vai correr tudo bem!
- Obrigada mãe eu acredito!

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Aqui estou!

Parar é morrer. Estive para desistir de tudo, da vida, do céu, da terra, do mar e de mim. Hoje ganhei coragem e voltei, na verdade não quero. Não quero desistir nem da vida, nem do céu, nem da terra, nem do mar e ainda menos de mim. Fiz a minha travessia no deserto e agora aqui estou! Se estou pronta para contar esta aventura que fiz dentro de mim? Nem pouco mais ou menos. Ainda sinto momentos de grande tristeza, de zanga, de amargura e de dor, mas são momentos que já vou tolerando com alguma resiliência. Precisava deste afastamento? Claro, pois se não conseguia enxergar nada à frente do nariz, não ia conseguia escrever duas letras seguidas. Estive cega e fiquei surda, perdi o sabor do momento, pensei atirar-me do carro para dentro do futuro, pensei tanta coisa, de tanto pensar endoidei, brutal a dor que nos cega, torna surdos e mudos, incapazes de respirar. Como se não houvesse amanhã. O meu estômago encolheu, perdi o controle da fome e naturalmente perdi uns quilitos. A dor é nossa amiga. Costumava ensinar que a tosse é nossa amiga, que a dor é nossa amiga, que a obstipação é nossa amiga, que todos os sinais que o nosso corpo nos vai dando servem para nos porem alerta, são por isso nossos amigos, desconhecia era a dimensão que tais sinais podiam atingir. Desconhecia tanta coisa, tanta coisa que até me parece mentira, de tal maneira assim é, que não posso contar a ninguém o que aprendi, por ser transcendental, por ser primário, secundário e terciário e pertencer a dimensões que a ciência ainda não aprovou e eu sou uma mulher de ciência!
Se algum dia vou abrir esse livro? Só se a ciência mo permitir e isso acho que ainda está longe. Aceito o desafio de alguém adivinhar! Tenho momentos que até eu duvido e vivi-os. Não fui raptada por nenhum ovni, mas gostava, tenho até sonhado sonhos que conheço bem. Não fui para outro país viver, mas fui passear e adorei, mas não se trata disso, de viver longe ou de passear, trata-se de tomar contacto com realidades inimagináveis para mim que sou uma mulher de ciência e a ciência ainda não explica esses fenómenos. Afinal trata-se de momentos de vivencia esquizofrénica? Quem dera, como eu pedi para voltar ao passado, quando de tudo e de todos recebia amor e me achava o centro do Universo! Não era esquizofrenia, era a realidade, a vivencia da realidade na mais profunda mentira, no mais profundo engano.
Agora aqui estou, depois de ter tomado consciência da vida como ela é, com os enganos e desenganos, com as mentiras e as maldades, com a loucura da dor profunda, com a dor gravada na alma, mas com a certeza que a mentira será sempre vencida pelo amor, com a certeza que a dor será sempre vencida pelo amor, com a certeza que até a nossa alma é resgatada pelo amor, só pelo amor, por isso não me perdi. Aqui estou!