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terça-feira, 21 de outubro de 2014

Sim, não, obrigada

Não sei que dias são estes, pouco tempo me deixam para me encontrar comigo, para contemplar, conforme a Alice me disse para fazer. Antigamente, quando achava que alguma coisa não estava bem, dava a minha opinião até mesmo a quem não ma pedia. Era bem pequena, quando começaram a corrigir-me, foi de tal maneira a correção e os ralhetes que por fim só dizia: Sim madrinha, não madrinha, obrigada madrinha. Vivia à sombra de tudo o que lhe via fazer, dizer, dos comentários que faziam, da forma como se sentavam à mesa e etc. Vivia então dois mundos paralelos, o das madrinhas e o da minha casa com a minha mãe, o meu pai, o meu avô Luís e a minha avó Maria Antónia, mais conhecida por Pató, nome que nunca lhe chamei porque não me dizia nada, Pató não era a minha avó, era a criada da madrinha, uma emoção de amor / ódio? numa criança de 5/6/10 anos? Não sei ainda, mas a minha mãe também nunca lhe chamou Pató, só o meu pai às vezes dizia às escondidas para gozar a situação, coisa que eu também não gostava.
Cresci, fui para o Liceu de Évora, fui para casa da Dona Anica, onde era preciso continuar a ser uma pequena, eu claro, sempre a pequena, bem comportada. E acho que fui, só as minhas gargalhadas eram demasiado altas e à mesa não eram bem vindas. Lá tentei controlar as ditas, e ria às escondidas com quem podia e quando podia.
Cresci, fui para Lisboa, para casa do meu irmão, casado, onde só existíamos os 3, ainda não haviam crianças, também ninguém estava interessado nas minhas opiniões ou no que eu sentia, e lá fui conversando aqui e ali, a pouco e pouco, com este e aquele, que julgava amigo, conhecido, ia expressando a medo as minhas opiniões sobre os mais variados temas. Cada vez mais quando vinha a casa de meus pais, a minha casa, como eu dizia naquela altura, ia conversando cada vez mais com a minha mãe, com o meu pai, já não tinha avô, já não tinha avó, e as madrinhas tinha-as deixado em paz, deixei de frequentar "a casa". Quando dizia em pequena que ia a casa das madrinhas, costumava dizer: vou lá a casa! Mas era uma frase que todos dizíamos, lá a casa, como se essa casa, fosse uma extensão da nossa casa.
A conversa com a minha mãe era deliciosa, falávamos de tudo o que podíamos, repetindo vezes sem conta as mesmas conversas, até ficarmos esclarecidas, por vezes o meu pai entrava na conversa, mas o bom mesmo era a nossa conversa de mulheres.
Durante muito tempo, agora que a minha mãe já partiu não sei bem para onde nem porquê, nunca tínhamos falado desta separação evidente, ainda pego no telefone por volta das 6 das tarde para lhe falar, fico agarrada ao telefone à procura do número na minha memória, memória que me atraiçoa  porque apagou o número de telefone da minha casa.
Então procuro as filhas, falo com a mais nova, falo com a mais velha, espero que a neta fique mais velhinha para falar também com ela, coisas nossas, coisas de mulheres, conselhos de mulheres para mulheres.
As minhas opiniões são ainda muito cautelosas agora, mas passei uma fase em que as expunha aos 4 ventos, a quem passasse, trocei de alguns, aplaudi outros, mostrei-me, sobretudo era uma montra verbal de todas as minhas emoções, paixões e outras coisas que ainda não tinha pensado o suficiente mas defendia como verdade última.
Cresci e agora oiço, quando me pedem opino, mas voltei a treinar: sim, não, obrigada.
A falta que a minha mãe me faz, a falta que a minha mãe me faz, a falta que a minha mãe me faz...

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