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terça-feira, 27 de março de 2012

A nossa casa

Olho para as minhas mãos e vejo as tuas, quando ando no quintal tenho gestos que são teus, olho-me no espelho e vejo rugas iguais às tuas, a pele tem a mesma suavidade da tua, tudo em mim me lembra o teu corpo, até o teu olhar perspaça no meu, sinto muita falta da tua face na minha quando te dava um beijo, quando me davas um beijo bem repenicado. Sei que são saudades, sei que sou eu que sinto a tua falta, em cada dia que passa, em cada momento que sinto falta de pegar no telefone para ouvir a tua voz e adivinhar se está tudo bem aí em casa. Agora eu sei que a casa está vazia, mas se voltasses ias encontrar tudo na mesma, as gavetas iguais, os móveis iguais, as coisas do pai no sítio do costume, ainda guardo na casa de banho o champôo, as toalhas, tudo, ainda não toquei em nada. No fundo sou eu que preciso de voltar lá a casa e abrir a porta e sentir ainda o vosso cheiro, a vossa presença, não quebrar esse encanto de continuar a ser filha, neta, bisneta, acho que os anos foram passando mas sinto-me ainda tão filha, eu que aguardo a notícia de ser avó, quero muito ser ainda e só filha.Não sei quando vou ter coragem de mexer nas tuas coisas, nas coisas do pai, já pedi a uma Arquitecta que modifique um pouco a casa, mas que a resguarde de grandes alterações, apenas as necessárias e suficientes para ficar mais confortável, apenas. Sei que a semana passada foram os Passos em Cabeção, se ainda estivesses, claro que estaria aí, tenho também saudades dos dias de festa na nossa casa, dou por mim a pensar na nossa casa, quando já as filhas têm a sua casa. Nada nem ninguém me tinha avisado que um dia, a minha vida ia ser sem vocês, nem vocês me avisaram e conversámos sobre tanta coisa, porque nunca falámos dos tempos que aí vinham, os tempos em que naturalmente eu ia ficar sózinha, parece que sinto que fui roubada, alguém permitiu este roubo, ficar sem os meus pais, não tinha pensado que um dia ia acontecer, mas era óbvio; foi por ser óbvio que nunca falámos que um dia esse dia ia chegar? Olho para as minhas mãos e vejo as tuas, minha mãe, mãos que eram iguais às do avô Luís e da avó Maria Antónia, mais bonitas, bem mais bonitas as tuas, as minhas vão ficando um pouco mais gordas e papudas, como as tuas, mas sempre bonitas e com uma pele tão sedosa, mesmo quando mexias na terra como eu faço, nos dias em que chego mais cedo do trabalho. Olho para elas e mando-te beijinhos em segredo, olho para a minha pele e lembro-me da meiguice do teu desabafo: hoje estás tão bonita! ou, hoje estás mesmo feia! e eu ficava igualmente contente com qualquer destas frases, estavam as duas carregadas de amor, como sinto falta do teu amor. Tenho muito amor, das filhas, dos genros, do meu PQ, das sobrinhas, dos amigos e desconhecidos, mas faz-me tanta falta o teu colo, bem me podias ter avisado que um dia íamos ficar separadas, só o tempo pode resolver esse afastamento, o tempo tão diferente, para ti não tem dimensão, para mim corre lento nuns dias, noutros nem dou por ele, mas é o tempo que nos afasta e também vai ser o tempo que nos vai aproximar, o tempo que tu sempre acreditaste que tudo curava, não tinhas razão, mas não faz mal, não chegámos a ter tempo para falar nele, e na verdade o tempo ainda é "se calhar" o mais importante tema dos nossos corações. 

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