Translate

sexta-feira, 2 de março de 2012

Casacos de malha

É a primeira vez que estou a trabalhar e me lembro de vir aqui escrever um pouco. Estes últimos dias têm sido muito cansativos e com noites mal dormidas, não é que não tenha sono, mas os pesadelos são horríveis, ainda esta noite sonhei mais uma vez que o meu PQ era um doidivanas e que andava com a enfermeira João e que ela contava a toda a gente que tinha sido ele o culpado do marido dela ter uma doença sexualmente transmissível? O marido dela? Porque ela andava com o meu PQ? Mas que parvoíce, fico cansada, mas o sonho era tão real que eu já tinha no meu braço, bem à vista de toda a gente umas pápulas infectadas nos braços com um aspecto asqueroso, fantástico. Como se isso não bastasse não tinha roupa decente para vestir, abri as gavetas todas da cómoda da minha avó e só via roupa foleira, sem gosto nenhum, até o casaco cor de laranja que a madrinha tinha detestado lá estava, e eu, que tinha uma festa e não queria faltar. Não sei como acabou esta história, sei que acordei cansada, que fui trabalhar toda a manhã, toda a tarde e agora aqui estou a trabalhar toda a noite, será que no bocadinho que for descansar consigo arranjar roupa para ir à festa?
Loucuras que têm o seu quê de verdade, ou de medo que seja verdade, ou só de medo, de baixa auto-estima? A Alice diz-me que eu tenho auto estima até de mais, que se não fossem as minhas queridas madrinhas eu ainda hoje pensaria que era o centro do Universo, ou o "Meu ouro" nome que o meu pai me deu durante toda a minha infância, como me sentia bem! Os meus pais foram educando uma menina cheia de amor e mimo, e os meus avós maternos idem aspas aspas, não fora ter encontrado pelo caminho as madrinhas com o seu toque de educação "à tropa ou convento", sei lá, educação à neta da Pató, que ali naquela casa, que não era a minha, eu não era nem o centro do Universo, nem o "Meu ouro", era tão só a neta da Pató, que não era criada nem governanta, era uma intermediária entre os patrões e as criadas, uma intermediária que muitas vezes não recebia nenhum dinheiro ao fim do mês, e que muitas vezes trazia "lá de casa" um queijinho, ou um bocadinho de peça, ou qualquer outro mimo para mim, especialmente para mim; o padrinho tinha alturas do mês em que lhe mandava fazer recados: Vai lá ao teu genro, meu pai, para ele me emprestar 20 ou 30 contos, era o que houvesse, contos porque ainda não havia euros! O dinheiro não era do meu pai, era das rendas do bairro social que pertencia à Misericórdia, e que ia ser depositado no banco em Móra, mas que enquanto era e não era, ele, o padrinho, se governava, para grande aflição do meu pai que não era capaz de dizer que o dinheiro não era dele, e sistemáticamente o emprestava; parece que o padrinhao sempre o trouxe a tempo do meu pai não ter mais dissabores, já bastava quando ele se sentava ao lume a conversar baixinho com a minha mãe, não fosse eu ouvir e sem querer contar a alguém; sussuravam, mas nessa altura eu tinha ouvidos de tísica, ouvia tão bem!
Que saudades tenho desses sussurros à lareira, do cheiro do lume e do colo da minha mãe, tenho saudades dos beijos que a minha mãe me dava, tão barulhentos e às vezes tão frios. Sinto ainda muitas vezes a face dela contra a minha, tão doce e tão fria, tinha uma pele tão boa, de veludo!Agora já não há Pató, nem padrinhos nem madrinhas, nem dinheiro das rendas, nem lume na lareira, eu já não sou neta, nem filha, mas sou mãe e espero vir a ser avó. Bom mesmo, era ser avó e ter avós, ser mãe e ter pais, todos juntos, e também podiam estar os padrinhos e as madrinhas porque agora já não fazia mal, eu sei escolher a minha roupa e se me apetecer mando fazer um casaco de malha cor de laranja só para mim.

Sem comentários:

Enviar um comentário