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domingo, 22 de setembro de 2013

Bailes

A minha neta faz hoje 9 meses, já gatinha, faz algumas gracinhas, ainda não diz nenhuma palavrinha, mas tem uns sonzinhos muito engraçados, ainda que não sejam palavras, representam de certeza pequenas emoções. Pesa mais, pesa muito mais, tanto que às vezes não a seguro e deixo-a bater na cadeira com a cabecita, não fez galo mas quase. Hoje o dia não foi muito calmo, fomos ao funeral a Mora, não é muito agradável ir a funerais, mas é preciso, podia era ter sido pela fresquinha, mas não, fomos até ao cemitério em procissão ao sol escaldante do meio dia, muito devagar, sem sombras, depois foi rápido, abriram a urna, choraram, não ouvi nenhum elogio fúnebre não ouvi nada, e foi o mesmo de sempre, para a terra. Estranhei a mulher ser uma das primeiras a deitar a terra para cima do caixão, assim como se fosse ritual, depois claro, começou a cena do costume, com a pá do coveiro bem mais eficaz, os filhos a não suportarem o momento, doloroso demais. Lembrei-me dos funerais na Índia, perto do Ganjes, que a gente vê na televisão, também há um ritual, mas a família não parece estar perto e em vez de terra é lume, até tudo estar transformado em cinza e ser despejado no rio. E vem-me à memória outras terras com outros usos, na América canta-se, come-se, bebe-se e fala-se do morto, assim como na Europa do norte, e lembro-me da primeira vez em que tivemos um morto na nossa casa, não foi na nossa casa, mas foi a minha avó Galucha que na verdade era minha bisavó. No dia da festa do meu 5º ano resolveu adoecer de manhã, a festa era à noite, pensei que o dia estava a começar mal, mas estava enganada, o meu avô Luís, seu filho, estava eu a tomar o meu banho, veio dizer-me através da porta da casa de banho que:
-Logo à noite vais ao baile, a avó está doente, mas não tem importância, tens que te divertir!
Fiquei sem palavras, tinha 14 anos, tantos sonhos, não era no entanto miúda de bailes, só que aquele baile era diferente e o meu avô tinha entendido isso há muito tempo. A minha avó estava doente, de cama, sem falar, sem conhecer ninguém, sem me ligar nenhuma, bebia uns caldinhos que a minha mãe lhe fazia, e eu queria tanto ir ao baile! E fui. Ela morreu uns 15 dias depois, o médico foi a casa e confirmou que a hora dela tinha chegado, era só preciso esperar e esperámos 15 dias. Esteve sempre na casa dela, nós íamos lá de manhã, à tarde e à noite, dormia sózinha, não tinha ninguém a tomar conta dela durante a noite, na altura eu achei que foi tudo culpa da minha avó Maria Antónia que lhe tinha mandado matar o cão, rafeiro, de pelo preto, curto e duro que começou a urinar sangue, e não houve mais conversa nem tratamento, foi mandado matar, com a benção e a seringa do padrinho Martins, que era veterinário mas pouco; se estava a urinar sangue podia pegar a doença à minha avó Galucha, ela dormia com ele na cama, às escondidas, mas toda a gente desconfiava. A doença dela aconteceu depois do cão ter sido morto. Eu assim que soube fui -lhe oferecer o meu gato, ela não quis, sorriu-me e ficamos a conversar à lareira, como eu gostava e ela também, a seguir ela adoece logo no dia do baile do colégio, graças a Deus que o meu avó era do melhor e deu-me "permissão" para a diversão e foi bom. Foi o meu primeiro contacto com a morte na minha família, nunca mais tive sossego, nem nunca mais somos os mesmos quando nos morrem os avós e os pais, só que eu sou uma sortuda, sinto ainda no ar a "permissão" do meu avô, quero ter sabedoria para a transmitir à minha neta. 

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