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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Cerejas e contratos

Passar de cão único a cão "irmão" de 2 cães e 2 gatos, não é tarefa fácil; os brinquedos, bola, perna de galinha já muito mordida e osso novinho em folha, quando aparecem são motivo quase sempre para arrufo sério, de modo que todos os movimentos são pre-meditados para não serem motivo de discãossões. O futuro só pode ser bom, todos estamos a tentar. É certo que o Vicente ia iniciar fluoxetina em gotas, eu achei que ele andava deprimido e a veterinária concordou; a coisa agora está fora do meu controle, não sei se é depressão, acho que é só ciúme, que a depressão, se existiu, já se foi, em vez das gotas a cura foi o novo companheiro de casa. A Sarita e a Preta, bastante mais espertas andam com pézinhos de lã, entram, saiem, comem, dormem, sempre com um olho no Fred e outro no que lhes interessa, de modo que podemos dizer: vamos indo, um pouco mais ou menos na mesma, frase adorada da minha querida sogra, ou mais própriamente, cá vamos indo com a graça de Deus, mais ao jeito da minha Avó Maria Antónia mais conhecida pela Pató. Não sei quem lhe pôs este diminuitivo, não gosto nem desgosto, para mim nunca foi Pató, mas Vó. A minha Avó era muito meiga, esperta, e um pouco como o Robin Wood, tirava aos ricos para dar aos pobres. Trabalhou em casa dos padrinhos, como um género de "governanta" tomava conta da casa e das empregadas, porque na verdade ela foi lá para casa, acho que com 6 anos de idade, para ir para a escola. Foi à escola, porque sabia ler, mas deve ter ficado pela 2ª ou 3ª classe, não era coisa que gostasse nem os padrinhos forçaram muito, a minha bisavó Cachica mais o meu bisavô Rato, seus pais, viviam no monte e não era possível a Maria, minha avó, ir à escola. Não sei que combinação foi a dos compadres, avô Rato e padrinho Martins velho, mas só ela veio do monte, a tia Albertina veio para aprender a coser, as outras irmãs foram para o Vimieiro e já não me lembro bem do resto da história. A minha avó nunca foi agarrada ao dinheiro nem a quaisquer bens materiais, de modo que quando havia muita comida na casa dos padrinhos ela trazia debaixo do avental miminhos para a gente, potros, peças, queijos, o que ela achava bom; quando os padrinhos deixaram de ter dinheiro e passavam necessidades pedia dinheiro ao meu pai, que necessáriamente eles tinham que pagar, e levava da nossa casa o que achava que eles precisavam, sempre debaixo do avental, caldos knorr, bacalhau, linguiça; foi mantendo essa atitude até ao extremo, e culminou com a entrega das botas caneleiras novas do meu pai, mandadas fazer no Manel Garcia, que tinham custado uma fortuna ao meu pai, 12 contos de réis, e que eram o seu orgulho. Eram ensebadas todos os fins-de-semana por ele com um verdadeiro desvelo e ficavam ao redor do lume para enxugar; quando o meu avô Luis morreu a minha avó deu essas botas novas, em memória dele, como se fossem as botas velhas do meu avô. O Verão passou, quando chegou a altura de usá-las bem podia o meu pai vasculhar a nossa casa, a casa da avó Galucha e arredores, nada das queridas botas novas, até que ele ou a minha mãe se lembraram das dádivas aos pobrezinhos por altura do falecimento do meu avô, ninguém tomou conta e lá foram as ditas; o meu Pai zangou-se? Não senhora, esta era uma história que de vez em quando ele contava com a sua imensa graça, ria-se até mais não poder e todos nós nos riamos, moral da história: não sei, mas sinto-me feliz ao recordar. As palavras são como as cerejas atrás de uma vêm uma dúzia delas, eu agora ficava aqui mais meia dúzia de histórias, a escrever, a escrever, mas o tempo passa rápido e amanhã é outra vez dia de trabalho. Os dias de trabalho são bons, pena é que não consiga fazer mais nada, chego tão cansada a casa: hoje estive com o Pedro, 14 anos, com problemas familiares graves e escolares, antes da escola acabar e das férias, fizemos 2 ou 3 sessões de hipnose, hoje estivemos a conversar, sente-se bem, vai iniciar o 6º ano, precisa de fazê-lo para no próximo ano começar a aprender a ser mecânico; combinámos a estratégia e quando lhe perguntei pelo desporto que ia fazer, abriu muitos os olhos e disse que não podia, a mãe e o padrasto estavam desempregados, não podia gastar dinheiro; quando sugeri que era capaz de resolver essa questão, o futebol saltou para a conversa, resultado: amanhã já vou tratar de resolver essa pequena questão diplomáticamente, vai ter futebol, mas é fundamental cumprir com as suas obrigações, será que vamos conseguir? O sonho comanda a vida, ou será que fiz um contrato: vais para o futebol se mantiveres bom comportamento na escola, estamos correctos? Vou ter que perguntar à Alice. Acho que não era preciso fazer este contrato, porque ele devia estudar porque sim, e devia ter hipotese de jogar futebol porque sim, sem contrapartidas, mas a verdade é que esteve 3 anos no 5 º ano!! A verdade é que não há dinheiro em casa; a verdade é que ele precisa de ter uma coisa boa para poder entusiasmar-se pela vida, pelo dia de amanhã, se calhar não fiz muito mal com este contrato? Depois direi.

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