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segunda-feira, 24 de março de 2014

De mansinho

Estou saturada das notícias, estou saturada da televisão, como oiço mal e ainda não comprei o aparelho auditivo salvador, nem música consigo ouvir, de modo que fico aninhada neste canto, a ler, a escrever, a fazer ponto de cruz e a pensar, em ontem, hoje e amanhã. Penso alguma coisa, mas não muito, para pensar é preciso estar muito tranquila, descontraída, sem stress, então os pensamentos vêm de mansinho, acho que foi o que esta tarde me aconteceu, os pensamentos a virem de mansinho.
Hoje é dia 24 de Março, a minha avó Maria Antónia fazia anos, a 17 fazia a Madrinha Toninha e a 19 o meu Pai, que por sinal fazia anos no dia do Pai, economizávamos uma prenda, às vezes, outras vezes arranjávamos uma prenda maior. A minha avó não recebia prendas, acho que também não tinha bolo de aniversário, não era habitual, mas sei que logo de manhã, porque vivíamos todos na mesma casa, a nossa casa, logo de manhã eu dizia:
-Parabéns avó, a sua benção!
-Obrigada, Deus te abençoe filha!
Parece-me agora que esta troca de palavras, que eram sempre acompanhadas de beijos, eram mais fortes do que qualquer bolo, prenda ou outra qualquer actividade similar, era um momento muito íntimo, muito meu e dela, ainda que o meu avô ou a minha mãe assistissem a este desenrolar, era um momento só nosso.
À Madrinha Toninha nunca dei prenda, mas por uma razão diferente, era muito inferior a ela, não tinha como comprar-lhe uma prenda, não tinha dinheiro para isso, e a troca de palavras e de afectos era muito diferente, nada de intimidades, tudo muito cerimonial, como convinha à situação, à minha situação de neta da Pató, a empregada! Realmente, ainda não percebo como a minha mãe foi na conversa de me deixar sentir inferior a esta madrinha, a esta família, a minha mãe tão avançada para a época, não gostava e não era inferior a ninguém.
O tempo passa, mas estas memórias voltam por vezes quando os pensamentos nos chegam de mansinho. As memórias da nossa infância são as que mais perduram e as que voltam vestidas sempre de roupagens diferentes, de sensações e até de cheiros diferentes, parece que as carregamos no presente com vista a aprendermos no futuro. As minhas memórias fazem-me bem na maioria das vezes, outras nem tanto, tenho dias, e hoje se pudesse voltar a vivenciar o passado, teria dito ainda com mais amor:
-Parabéns avó, a sua benção!
- Obrigada, Deus te abençoe filha!  

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