Translate

quarta-feira, 19 de março de 2014

Repetições

Estes dias são bons e assim assim, porque têm um bocadinho de saudade misturada. A saudade é boa, porque as memórias que lhe estão associadas são boas, festas de anos, dia do pai, beijos, abraços, prendas e muita conversa, colo misturado com bolos, divino.
Agora, resta-nos a lembrança e o desejo, e não deixamos calar no nosso coração a saudade, porque faz bem, conforta, faz-nos sentir amados à distância de alguns anos.
O aniversário do meu pai era sempre comemorado com um almoço, raramente era jantar, porque ao almoço podíamos juntar quase todos os que convidámos para se juntarem na nossa festa, para além da família, claro. Algumas semanas antes, eu e a minha mãe decidíamos a ementa, com o meu pai a assistir aos preparativos, não queria que faltasse nada, o que mais desejava era que toda a gente se senti-se muito bem na sua casa, e conseguia-o. Depois, combinávamos também os presentes. Os bolos e os doces eram sempre feitos de véspera e de antevéspera, a refeição própriamente dita era preparada também de véspera, de modo que no dia de anos, quase tudo estava pronto, faltava apenas arranjar a mesa, distribuir flores pela casa e esperar tranquilamente pela chegada da família e dos amigos. Nessa altura gostava tanto que ficassem na nossa casa, nesse dia e se possível ficassem para jantar, dormir, almoçar no dia a seguir e depois podiam ir para sua casa. Agora, nesta casa onde vivo, às vezes a minha disponibilidade é menor, mas percebo-me, falta-me o apoio deles, era como se eu estivesse na retaguarda e eles na linha da frente, agora sentir-me na linha da frente acanha-me um pouco, tira-me à vontade, quero convidar, mas quero que entrem, fiquem um pouco e vão embora, como se temesse a permanência, estranho sentimento este!
Não sei quantas vezes já contei esta história, de cada vez que a conto acho que é de uma forma diferente, acrescentando sempre um pormenor ou outro que acaba por fazer a diferença, por isso não faz mal. Sei também que ao longo da nossa vida não temos mais que trinta histórias diferentes para contar, portanto as repetições são inevitáveis, agradáveis e reconfortantes, não podendo ter o meu pai sempre comigo, tenho a saudade deliciosamente embrulhada em saborosas lembranças. Vou conseguir viver e honrar os meus ancestrais em cada dia, em cada festa recordada e em cada festa vivida. A saudade e a lembrança ajudam o caminho que nos leva ao futuro.

Sem comentários:

Enviar um comentário