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domingo, 20 de maio de 2012

2ª feiras

Nunca, ou raramente, volto atrás para me lembrar o que já escrevi, faço sempre da escrita um momento de desabafo, de descontração, de amor ou de raiva, tem apenas a ver com este momento, este agora, não volto atrás para não me influenciar na minha análise emocional. Trabalhei a noite passada, não foi fácil nem foi difícil, mas gostaria de ter o dia de amanhã para mim, não tenho porque amanhã é 2ª feira. Nos meus tempos de escola, o Domingo à noite era bom, costumava jantar cozido, às vezes havia doce e se tivesse sido ajuizada, tinha as coisas da escola todas feitas e dormia descansada. Do tempo da escola o meu irmão não está na minha lembrança, a minha memória não me trás um convívio frequente com ele, lembro-me mais do meu avô Luís a jantar com a gente lá em casa do que do meu irmão, talvez por isso a raiva que ele ainda tem de mim, mas não fui eu que o imporrei para a casa dos padrinhos, a minha avó Maria Antónia estava lá a viver, havia dias que até lá dormia e, o meu irmão sempre andou atrás das saias dela. Eu ficava com os meus pais e o meu avô, o Domingo por vezes era crítico, quando o tinha que ir buscar ao café, já tinha bebido demais, mas assim que me via chegar levantava-se rápido e íamos os dois para casa, sempre Domingo à tarde. De casaco, roupa lavada, chapéu na cabeça, não jantava, o estomâgo não tolerava a bebida e a 2ª feira era madrasta, vestia a sua camisola azul forte, um pouco claro, da cor dos olhos dele, um avental azul mais escuro, cabelo branco rente, mãos gordas e ásperas, no cimo da rua e gritava bem alto:"Ai quem mi dera morrer".Era um grito do fundo da alma, como se fossem dois, ele e o seu grito, tão perto e tão distantes, um grito que ainda oiço de cada vez que trago à minha memória essa época. Volto atrás nas memórias, vezes sem conta, não volto atrás nos meus escritos, um dia destes faço aqui uma limpeza, ou então gravo-os no éter, ainda não percebi como é que isso se faz, mas vou aprender.
Tenho tido uma certa angústia para vir aqui escrever, só sou capaz de desabafar quando estou mais ou menos bem, quando estou mesmo em baixo, fecho-me, encaraco-lo-me , enrosco-me e não deixo sair nada até que me entenda. Agora estou um pouco melhor, mas a angústia ainda não me deixou, amanhã tenho de novo conversa com a Alice, aprendo sempre com ela, até quando sentirei necessidade de ir conversar, pagando é claro, mas um preço irrisório comparado com o que aprendo. Será que necessito desta aprendizagem até ser muito velha? Será que vou falar com a Alice porque não bebo Domingo à tarde e não grito no cimo da rua, às 2ª feiras?
Quando um dia os meus netos escreverem as suas angústias, farei parte das suas memórias? A vida continua a ser um mistério que se repete em cada dia que vivo.

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