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sábado, 12 de novembro de 2011

Palavras mágicas

Não sei o que me vai na alma, quando páro o trabalho, é como se dentro de mim tudo passasse a uma velocidade que nem dá para parar e observar o que estou a pensar. Gosto de estar em casa, sossegada para poder limpar a cabeça, mas esta noite a Carlota não pára de ladrar, tudo o que se mexe lá fóra, mesmo que seja apenas o vento a agitar é potencialmente perigoso, e ladra. Trabalhei a noite passada e, apesar de ter observado algumas pessoas, fiquei na minha cabeça com a história de um jovem rapaz de 9 anos, que foi trazido pela mãe que fez questão de dizer alto e bom som, na sala de espera: o meu filho está muito mal, está a ver pessoas a dobrar, ou está a ver gente que mais ninguém vê, está com visões!!!
Logo aqui senti-me um pouco acanhada, achei que se era verdade que a criança estava com capacidades sobrenaturais, devia estar muito confuso e assustado, mas que podia eu fazer? E claro, veio-me à memória a minha infância, onde também se falava em almas do outro mundo, em sons estranhos em casa, em pessoas com cacapacidades, mas tudo muito em segredo, as crianças eram sempre excluídas dessas conversas, e quando lhe era permitido ficar, pois claro que ficavam em silêncio, quase que era proibido respirar, primeiro porque estavamos assustados e depois porque não queríamos perder pitada, ir ao médico, só de loucos, quando muito, ía-se à igreja aconselhar com o Sr.º Prior, que no fim mandava rezar Pais Nossos e Avés Maris que era uma fartura, enfim, não era uma situação para brincadeiras.
Mandei entrar a criança e a mãe; a criança sentou-se na cadeira à minha frente e a mãe de pé não sei bem com que intenção; como me cheirou muito a álcool, com muita tranquilidade mandei-a aguardar na sala de espera, de modo a que pudessemos nós os dois conversar um bocadinho, e assim, a mãe lá foi com muito pouca vontade, porque queria assistir ao tratamento das visões?!
Não devo nem posso contar toda a conversa, mas a criança de 9 anos, estava convencida que estava a ver uma mulher ao meu lado, quase igual a mim, até tinha uma bata e tudo, e parecia simpática; falámos da infância dele e percebi que os pais se tinham separado quando tinha 4 anos, mas ele via todos os dias o pai, de quem gostava muito, tinha muita tristeza por estarem separados e às vezes apetecia-lhe fazer mal, sobretudo à irmã de 11 anos, e quando se sentia pior fazia mal a ele, e quando me contou isso olhou-me bem nos olhos para ver o impacto provocado; nem sim nem sopas, aceitei toda a conversa sem fazer qualquer juízo de valor, só disse que percebia que ele sofria muito, mas que não podia esquecer-se que tinha o pai, a casa do pai, a mãe e casa da mãe, afinal tinha tudo a dobrar, não era assim tão pobre e infeliz, tinha tudo, a dobrar! Parece que lhe sorriram os olhos, a face manteve um semblante triste; lá o ensinei a mandar embora a figura parecida comigo e que não iria ser mais incomodado, porque estava protegido pelo cão (que ele tinha escolhido como protector), o cão grande, poderoso e sábio, que quando ele estivesse mais doente lhe ia sempre lamber todas as feridas do corpo e da cabeça, e com essa magia, todas as suas dores desapareciam, mas que era um segredo só dele.Os olhos sorriram uma vez mais, e ali naquele momento foi do que fui capaz, podia continuar a conversar mais, mas senti um zum-zum lá fóra, pareceu-me que o álcool da mãe estava a quebrar silêncios, e resolvi chamá-la, parece que estava pronta fazer queixa de mim, porque a tinha mandado embora e ficado sózinha com o filho, enfim, não reagi, não me senti incomodada, ela não recebeu nenhuma emoção da minha parte e acalmou, agradeceu-me e disse-me que já sabia muita psicologia, desde que estava a ser acompanhada na Protecção de menores, estava rodeada por muitos sociólogos e gente dessa e, ela estava a aprender muito, Deus abençoe tamanha aprendizagem, Deus proteja aquela criança; foi embora mais tranquilo, porque o medo dele era também ficar no hospital doente? Que fazemos nestes momentos? Respiramos fundo e que o Universo seja Pai, que esta criança aprenda a encontrar o seu local de conforto e o seu caminho, mas fiquei com um nózito na garganta, não tinha nenhuma receita para lhe dar, apenas palavras mágicas, será que fizeram efeito prolongado e transformaram?

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